3.7.09

Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres - Clarice Lispector

...supôs que ele queria ensinar-lhe a viver sem dor apenas...


A primeira coisa que eu pensei quando terminei de ler esse livro, foi uma série de impronunciáveis palavrões.
Juro que tive até insônia e cheguei á conclusão que não tem outro jeito de ler Lispector que não seja esse: apanhando das verdades que ela diz.
Sim, esse livro me acertou em cheio. Bem na cara! Não notaram as marcas das bofetadas literárias?
A linguagem intimista te insere na sinceridade do que a autora que passar de forma direta e pessoal. Clarice me pega pelo braço, dá uma sugigada e me obriga a me olhar no espelho e enxergar coisas que eu não quero ver / ler. É um tapa na cara: "Tá vendo? Você é assim! Feio assim, frágil assim, patético assim...”.
"Uma aprendizagem" é o nome ideal para o livro, uma vez que você passa a refletir na sua própria vida o que lê.
"Ela vivia de um estreitamento no peito: a vida..."
Demorei pra escrever sobre esse livro. Confesso de dele pra cá, já li muitos outros (e ainda falarei deles aqui), mas como comprei mais dois da Clarice esses dias, resolvi voltar ao tema.
Muitos livros (que eu recomendo como bons ou muito bons), li com certa apatia, quase como quando você lê alguma obra de ficção. Você gosta, se diverte, se interessa... mas não se envolve, porque no fundo sabe que aquela não é uma realidade possível. Claro que existem exceções, como por exemplo, quando a ficção não é exposta por metáforas, mas de um modo geral histórias fantasiosas não tem tanto poder de me "absorver" em suas páginas. Talvez com vocês seja diferente, mas vamos aos fatos...


"Uma aprendizagem" é um longo caminho a percorrer e se você também se interroga sobre seus motivos, sobre aspectos da sua personalidade ou sobre o "saber quem se é de fato", saiba que a história de Lóri e Ulisses é um exemplo disso! Pode ser um mergulho profundo nas raízes do mais íntimo do seu ser, como fazem os personagens do livro.
Consegue ver as pessoas enquanto elas estão apenas "sendo"? Consegue ver o crescimento das pessoas enquanto elas sobem degrau por degrau os patamares do autoconhecimento?
Lendo o livro, talvez você descubra em que patamar está e talvez se surpreenda pensando que não subiu nenhum degrau ainda...
Mas, divago... Eu deveria falar do livro e não ficar metaforizando o que me recordo dele e nem deixando essas coisas no ar. Desculpem, falha minha!
"O silêncio é a profunda noite secreta do mundo. "
"Uma aprendizagem" é cheio dessas metáforas sutis, mas é muito específico no que expõe: o crescimento da personagem principal, que o leitor acompanha gradativamente. Participa de sua auto-elevação, seu autoconhecimento e suas descobertas acarretadas por solidão, dor ou amor...
O que fazer quando não se sabe ao certo quem é? Ao sentir aquela angústia daquilo que parece indefinido, saímos em busca das respostas para as nossas perguntas.
Lóri levava uma vidinha pacata, sempre na mesmice de uma rotina medíocre. Até que ela conhece um professor de filosofia disposto a ensinar-lhe coisas sobre as quais ela sempre evitou pensar.
Lóri deseja o professor, mas não sabe como lidar com o abandono deste, que por sua vez a seduz, mas não dá nenhum passo adiante, afim de que ela realmente o queira.
Ulisses conhece uma Lóri imatura, despreparada, e deseja que ela aprenda a lidar com suas próprias covardias e de repente enxergar-se no espelho sem máscaras.
As mudanças são inevitáveis
Não foram raras as vezes que eu pensei que Ulisses falava para mim e não para Lóri: "Carol, você é tão antiga!"
E Ulisses... Pergunto-me se existem pessoas como Ulisses!
É dele que vem uma bonita lição no livro. É Ulisses que, sabendo-se apaixonado por Lóri e não querendo investir numa relação sem futuro, espera pacientemente que ela cresça como pessoa, valorizando a si mesmo e a mulher que ela viria a ser. Ulisses não queria o fácil, o fútil ou apenas mais uma sedução vazia. Seus propósitos eram mais nobres: a aprendizagem!
O romance ganha tom de "final feliz", como num conto de fadas possível, como nos ditos casamentos indianos onde o amor é construído aos poucos sem a cegueira que as paixões passageiras podem proporcionar.Dá pro leitos identificar a diferença entre "paixão" e “amor”.
"Juro que não sei, às vezes me parece que estou perdendo tempo, às vezes me parece que pelo contrário, não há modo mais perfeito, embora inquieto, de usar o tempo: o de te esperar. "
Talvez essa seja a justificativa de Clarice: a descoberta de uma identidade, a aprendizagem, o crescimento. E mais do que isso, a consciência de "quem somos", "qual nosso papel no mundo?”.


Uma amiga minha, diz que esse livro a fez terminar com um ex-namorado. De repente ela notou que ele estava muito longe de ser um Ulisses.
Um amigo meu disse que saiu do fundo do poço depois de ler esse mesmo livro.
Eu digo que fiquei perturbada durante a leitura e que engatei logo em um outro livro pra não ficar pensando tanto neste...


Preparados para as bofetadas literárias de Clarice Lispector? Então, boa leitura!


"Pode-se aprender tudo, inclusive a amar! 
E o mais estranho, Lóri, pode-se aprender a ter alegria!"




Mas Clarice, querida, não tem jeito:
"Aquela pergunta proibida", que Ulisses disse para Lóri não se fazer de tão cruel que era, eu continuo me fazendo...




Falei, falei e não disse nada... Preciso de um desconto: é difícil falar de Clarice!

Carolina! Na verdade se chama Ana Carolina e não gosta de ser chamada de Ana. Não revela a idade, mas todo mundo diz que aparenta bem menos. Fotógrafa e estudante de Jornalismo. Mudou de área depois de anos insatisfeita com a profissão. Carioca, apaixonante e implicante. Carinha de 8, espírito de 80 anos. Chata, mal humorada e anti-social. Gosta de rimas simples, de frases bobas e é viciada em café. Na vida passada foi um gato tamanha preguiça. Tem mania de ter manias, coleciona coisas inúteis e acha ridículo isso de falar de si mesma em 3º pessoa.

 
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