1.1.10

A Menina da torre

desconheço autoria


A imagem que tenho de toda minha vida, é de um enorme bosque verde e de enxergar uma enorme e perigosa floresta até onde minha vista alcançava. É de enxergar o chão bem longe, numa sacada estreita para uma queda livre muito alta. Ao meu redor, paredes de enormes pedras irregulares. Ali eu vivi, cresci, me guardei da chuva, do frio, do abandono... Um abrigo, minha proteção. Naquela torre alta, nada poderia me acontecer de ruim. Nem de bom. Eu não me protegia da solidão. Um dia eu estava na sacada estreita, quando vi pessoas sorrindo, cantarolando canções, brincando... Sons de felicidade que eu nunca tinha ouvido. Alguém passou e gritou alguma coisa que não pude ouvir. Até que ele veio mais perto e disse que achava muito estranho alguém se isolar numa torre tão alta. Passei dias pensando nisso e quando ele voltou, gritou apenas: -Desce! E eu desci! Não sei quem era ele, nem onde foi parar, afinal isso não era um conto de fadas e príncipes encantados não existem. Torres sim! Nenhuma bruxa malvada me trancou na torre nem me lançou nenhum feitiço. Era eu mesma que tinha a chave. A imagem que eu tenho da minha vida inteira, até então, era a de uma menina morando no alto de uma torre de pedra que de repente acordou e se cansou da mesmice dos dias vazios.

Na minha caminhada, encontrei uma outra torre. Uma construção bem mais nova do que a que eu morava. Lá no alto, ainda mais alto do que a minha estreita sacada, havia uma menina olhando para baixo.
Olhei bem pra menina e gritei para ela descer, porque era muito triste alguém morar sozinha no alto de uma torre tão isolada do mundo. Quando a porta da torre se abriu, eu já estava longe, mas ainda pude ver a menina, bonita, fechando a porta atrás de si.

Logo mais à frente, eu o vi. Era o jovem que tinha gritado para que eu descesse da minha torre. Ele carregava uma enorme marreta em uma das mãos. Por um momento eu fiquei com medo, mas ele se aproximou e me disse: - me ajuda?
Caminhamos por algumas horas até que percebi uma pessoa nos seguindo. Era a menina da torre que eu vi anteriormente.
Me aproximei dela e disse: - me ajuda?
Caminhamos mais algumas horas até encontrarmos uma torre enorme, mais velha que a minha e mais alta que a da menina.
Ao chegar mais perto, percebi a ajuda que aquele jovem me pedira. Marretamos a torre por sete semanas, até que tudo o que restou, foi um amontoado de pedras.
-Isso não podia mais ficar de pé. Logo apareceria um novo morador.
Estirei-me no chão descansando os músculos enquanto a menina perguntava, enxugando o suor no rosto: - Quem morava nessa torre?
-Eu mesmo! - respondeu o jovem.
Nos olhamos por um tempo e foi então que eu e a menina compreendemos.
-Vocês me ajudam?
No fim de algumas semanas, no meio de três amontoados de pedra, nos despedimos e eu cheguei até aqui, até quem eu sou.
Sei que algumas torres continuam lá, mas também que existem outras pessoas gritando a estranheza na vida das outras. Sobretudo, sei que existem aqueles que gritam: desce! Imagino que existam muitas pessoas incapazes de ouvir os gritos lá do alto de suas torres - elas são realmente muito altas. Mas eu também sei que existem as pessoas que descem e trancam para sempre a porta atrás de si.

Hoje tudo é diferente. Eu não tenho mais uma marreta, mas conheço várias outras meninas e vários jovens que moram no alto de outras torres. As construções estão bem mais modernas e as torres são bonitas, altas, feitas de concreto, tijolos, possuem várias sacadas e janelas de vidro com grades.
Lá dentro dessas sacadas, não uma, mas várias pessoas vivem isoladas. Elas se vêem, mas não se conhecem. Suas sacadas são separadas de um modo que elas não tem nenhum contato umas com as outras. Não se falam, e, sobretudo, não escutam quando alguém aqui de baixo grita: desce!
Nenhuma delas pode pegar uma marreta e reduzir a enorme torre a um amontoado de pedras.
Eu espero, sinceramente, que elas encontrem alguma outra saída.

A imagem que eu tenho da minha vida inteira, era a de ter morado no alto de uma torre de pedra e eu desejo do fundo do meu coração, que você construa imagens mais bonitas para se lembrar quando tiver a minha idade.


Em breve uma reformulação do blogE também a esperança de ser mais presente nessa bagaça (não, isso não é uma promessa)

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Carolina! Na verdade se chama Ana Carolina e não gosta de ser chamada de Ana. Não revela a idade, mas todo mundo diz que aparenta bem menos. Fotógrafa e estudante de Jornalismo. Mudou de área depois de anos insatisfeita com a profissão. Carioca, apaixonante e implicante. Carinha de 8, espírito de 80 anos. Chata, mal humorada e anti-social. Gosta de rimas simples, de frases bobas e é viciada em café. Na vida passada foi um gato tamanha preguiça. Tem mania de ter manias, coleciona coisas inúteis e acha ridículo isso de falar de si mesma em 3º pessoa.

 
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