9.6.11

Ausente

Fotografia: Hidden_Target (deviantart)

Ele não queria ir. Foi. Não socializou. Não sorriu. Não conversou. Não participou do brinde. Não respondeu perguntas. Murmurava um "unhum" ou "é" quando falavam com ele. As pessoas logo desistiram de tentar integrá-lo. Deixaram-no de lado. Ele não queria estar ali. Não entrou no jogo, não torceu. Achou que estava sendo autêntico. Estava sendo grosso. Achou que seu teatrinho convencia a todos. Estava sendo idiota. Fingia o tempo todo que estava presente, mas não estava. O homem das cavernas que não sabe dialogar. Só que o sabe fazer, é bater com uma clave de madeira na cabeça da mulher e arrastá-la para onde "ele" quer ir. Não fez questão de ser agradável. Fazia o tempo todo aquele ar de vítima indefesa, arrastada à força para o lugar do crime. Não se esforçou. Deixaram-no só. Não porque não gostassem dele, mas porque era impossível conviver com todo aquele mau humor. Melhor ignorá-lo do que aturar uma presença arrogante. Saiu perdendo. Voltou para casa sozinho. Embebedou-se sozinho. Riu de si mesmo. Divertiu-se então. Sozinho.


Agora, todas as vezes que lhe chamam, recusa. Não sai. Não participa. Não celebra. Não encontra. Não comemora. Nada. Nunca. Tudo bem, as pessoas não insistem mais. Ele prefere ficar em casa. No seu canto. No seu mundo. No seu vazio. Bem ali, dentro da própria solidão. Prefere ser o artista no centro do picadeiro e todo o respeitável público ao mesmo tempo. E lá em cima, na corda bamba, tudo que deixou de viver. Ele torce para que a corda se parta. Em mil pedaços. Só pra ficar parecida com sua vida. Comendo pipocas e assistindo ao próprio show, ele se pergunta se falta muito pro espetáculo acabar. Sabe que seu circo não tem a mínima graça. Ele está ausente. Do mundo e de si mesmo. Preso em si mesmo. Preso numa existência de ecos surdos. Ele não consegue sair das cavernas. Fica olhando sombras e luzes nas paredes, sem saber de onde surgem os desenhos. As pessoas não tentam mais chamá-lo para dar uma espiada do lado de fora. Ele também não queria ficar. Mas não tem como fugir da própria vida. Então ele fica. Com cara de bunda pra si mesmo, defendendo que sua atitude é autenticidade. Mas não é. É solidão.



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Carolina! Na verdade se chama Ana Carolina e não gosta de ser chamada de Ana. Não revela a idade, mas todo mundo diz que aparenta bem menos. Fotógrafa e estudante de Jornalismo. Mudou de área depois de anos insatisfeita com a profissão. Carioca, apaixonante e implicante. Carinha de 8, espírito de 80 anos. Chata, mal humorada e anti-social. Gosta de rimas simples, de frases bobas e é viciada em café. Na vida passada foi um gato tamanha preguiça. Tem mania de ter manias, coleciona coisas inúteis e acha ridículo isso de falar de si mesma em 3º pessoa.

 
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