13.1.13

O Amor acontece

Foto: Carol Rodrigues

O Amor aconteceu num dia em que eu não quis levantar da cama. Fiquei lá, intercalando sono com preguiça e quando dei por mim, o Amor tinha comido meu café da manhã e saído pela porta, correndo como se estivesse mesmo muito atrasado. Ou quem sabe até mesmo aborrecido com meu descaso. Chamei o Amor de volta, mas ele fingiu não me ouvir. Da janela, ainda pude ver o Amor dobrando a esquina sem sequer olhar pra trás. Quis correr atrás dele, agarrá-lo pelo braço e obrigá-lo a preparar outro café da manhã pra mim. Quis alcançar o Amor e obrigá-lo a voltar comigo.
O Amor foi embora num dia quem que o edredom pesava cem quilos sobre o meu corpo e eu não pude me levantar. Lembro-me que uma vez, você me contou de quando encontrou com o Amor pela primeira vez. Você disse que ele estava escondido nas entrelinhas de um livro. Um que você tinha prometido nunca ler. Um que você não gosta do autor, sempre com aquela pose de melhor do mundo. Mas um dia, quando leu, encontrou o Amor escondido lá, bem onde achava que você não olharia. Será que ele sempre se esconde onde não iremos procurar? Onde será que esse picareta resolveu se esconder dessa vez?
Eu queria encontrar você através das lentes embaçadas desse Amor fujão. Queria desvendar os seus segredos de esfinge. Queria ser devorado por você. Entenda como quiser. Como será que você se comporta quando acorda de manhã? Você tem preguiça de se levantar? Como você enfrenta todo o estresse do trânsito entre o seu apartamento e seu escritório? Você guarda dinheiro em baixo do colchão ou no banco? Porque você nunca conserta essa pia que pinga nesse pinto que pia? Porque você tira tantas fotos da lua e do pôr do sol?
Queria que você usasse o mesmo Amor como lentes de contato. Principalmente quando olhasse pra mim com essa sua cara de que entende tudo, mesmo quando não digo nada. Queria que você me olhasse assim, atentamente, e não reparasse nos meus defeitos tão óbvios quanto essa minha cara de pau. Eu queria, eu realmente queria, que essas lentes te fizessem enxergar quem sou realmente e não apenas quem eu vejo no espelho. Queria que você descobrisse o quanto eu quis prender o amor, mesmo quando não levantei para impedir a sua fuga.
Eu descobri depois de tanto tempo, que a sua ausência, na verdade, não existe. Você nunca sai de mim. Embora tudo pareça diferente agora, o mundo ainda não mudou o suficiente para que eu precise de um manual. Não preciso de uma assistência técnica para o que eu sinto.
Talvez, meus “bons” pensamentos não sejam o suficiente para me tornar uma “boa” pessoa. Talvez eu seja mesmo apenas o cara que segura as cortinas quando o show começa, assistindo a tudo por trás dos panos, no escuro, esperando a hora de te ver em cena, lá do alto na corda bamba, desejando imensamente que meus braços sejam a rede que te ampara, te salva, te protege...  Mas acontece, que eu queria ser o furacão que te carrega, te joga contra as paredes, te arranca do chão e te arrasta sem rumo e sem prumo. Queria te roubar da sua vida e te misturar na minha. Fazer de mim, o teu palco. Fazer de nós, o teu espetáculo. Eu queria engolir a droga do Amor diluída no suco amargo da minha desesperança. Queria amar na vez do meio, sem começo e sem fim. Sem beijo de despedida. Queria te amar num 31 de fevereiro que nunca chega.
O Amor aconteceu no meio de uma palavra que eu não devia ter dito. Escorregou num silêncio que eu não queria ter escutado. Eu queria, sim, te amar na pulsação das tuas artérias, no arrepio da sua nuca, nas tuas unhas cortando minha pele, nos lençóis trocados pela manhã. Te amar sem eira e nem beira.
O Amor aconteceu no meio de uma fome que não tem como saciar. No meio de uma pane que não posso consertar. E depois foi embora, fugido, bem na hora que não pude mais levantar da cama, exausto de lutar contra o tanto que eu queria te amar. Eu sei que é tarde, mas quero descobrir onde o danado do Amor te escondeu, talvez, já cansada de tanto me esperar. Quero que o Amor me esconda do mundo em você. Junto com você. Quero te amar bem no meio dessa preguiça. Bem no meio da minha descrença.
E quem sabe, acordar dessa vontade de ir embora sem ser visto.


#DosRascunhosGuardados

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1 comentários:

Carolina! Na verdade se chama Ana Carolina e não gosta de ser chamada de Ana. Não revela a idade, mas todo mundo diz que aparenta bem menos. Fotógrafa e estudante de Jornalismo. Mudou de área depois de anos insatisfeita com a profissão. Carioca, apaixonante e implicante. Carinha de 8, espírito de 80 anos. Chata, mal humorada e anti-social. Gosta de rimas simples, de frases bobas e é viciada em café. Na vida passada foi um gato tamanha preguiça. Tem mania de ter manias, coleciona coisas inúteis e acha ridículo isso de falar de si mesma em 3º pessoa.

 
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