22.2.13

No meio da bagunça

Baguncinha
Foto: Carol Rodrigues
Eu entrei e fui logo tirando os sapatos. O chão estava frio, mas era gostoso de sentir aquele chão, o seu chão, sob meus pés. Então eu soltei os cabelos e fui logo reparando na pilha de livros ao lado do sofá. Dois que eu já tinha lido. Um com uma dedicatória sua na contra-capa. Um que alguém te devolveu. "Esse é da minha mãe" - você disse - "ela esqueceu no sofá. Fiquei lendo". Achei divertido pensar na sua mãe lendo um livro dos meus. Digo, dos seus. Dos dela. "Do meu gosto", eu quis dizer. Ah, você entendeu. Você entendeu sem que eu precisasse explicar e me fez economizar letras, linhas... meu latim. Você também gosta de latim! E de filme pseudo-cult-francês. Eu reparei nas cinco pilhas de cds na estante. Nos dvd’s enfileirados. Nas revistas em baixo da mesinha de centro. Eu sei, você pediu pra não reparar na bagunça. Mas você também disse "fique à vontade" e eu não consigo fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Eu não consigo ficar à vontade e disfarçar que não reparei na sua bagunça. Esse monte de papéis espalhados, rabiscados, amassados. Meu nome em algum lugar. A chave do carro jogada em cima da bancada. O recibo do aluguel com meu ascendente calculado*. Todos esses detalhes da sua vida espalhados, recortados, expostos. Todos gritando meu nome, pedindo para serem notados, remontados, questionados. Não questiono. Você me disse "bem vinda" e é assim que me sinto. Bem vinda ao seu mundo. Bem vinda à essa bagunça da sua vida, na qual você me inclui e me mistura. Vida. Meu nome no teu biscoito da sorte. Teu nome no meu cartãozinho de realejo. Eu não tentei fugir quando você se aproximou. E isso é tão raro, que eu não me assustei. Eu entrei e fui logo tirando os sapatos. E então, quando me vi no meio da sua bagunça, ocupando todos os espaços e sorrindo no seu porta-retrato, senti mais do que o seu chão sob meus pés. Senti que, enfim, pisava em um terreno seguro. Por isso o chão frio não me incomodou. Por isso não fugi. Eu entrei e contei quantas vezes você sorriu. E perdi as contas...




*Desculpem, roubei do Renato:
"Calculei seu ascendente no recibo do aluguel"

Carolina! Na verdade se chama Ana Carolina e não gosta de ser chamada de Ana. Não revela a idade, mas todo mundo diz que aparenta bem menos. Fotógrafa e estudante de Jornalismo. Mudou de área depois de anos insatisfeita com a profissão. Carioca, apaixonante e implicante. Carinha de 8, espírito de 80 anos. Chata, mal humorada e anti-social. Gosta de rimas simples, de frases bobas e é viciada em café. Na vida passada foi um gato tamanha preguiça. Tem mania de ter manias, coleciona coisas inúteis e acha ridículo isso de falar de si mesma em 3º pessoa.

 
Expresso pra Dois © Todos os direitos reservados :: Ilustração por Rafaela Melo :: voltar para o topo