Existe um moço que tem um dom absurdo com as palavras. Sei que ele escreve em um texto, coisas que eu não conseguiria expressar, nem se escrevesse todas as madrugadas, nem se eu passasse a vida inteira em claro, só escrevendo. Ele sabe como dizer as coisas que eu gostaria. Ele não sabe, mas eu passo horas e horas lendo os textos dele. Eu queria escrever como ele.
Semana passada, estava o moço do blog a falar da vista que tem da janela de casa. Falou das árvores, falou que dava pra ver a pedreira ao longe, falou da igreja com as torres altas e anjos ao lado do sino, falou da linha férrea, da praça ao lado do prédio em que mora e dos brinquedos sempre cheios de crianças. De repente, me toquei que o moço do blog descrevia um lugar insuportavelmente conhecido. Que dèja-vú, o moço falava da minha própria cidade.
Não consegui dormir direito. Acordei aleatória, abstrata, desenho sem retas. O dia passou líquido, escorregadio, se esquivando das horas. O tempo estava fluido. Não consegui me concentrar no real. Pensava o tempo todo na descrição da praça, da linha férrea, nos anjos ao lado do sino. Andei pelas ruas em catatimia, feito um louco hipnotizado submetido às ordens de "siga em frente por este caminho" dados por outrem. Feito ferro, atraído por um onda de magnetismo, fui parar próximo à igreja, perto da linha férrea, com vista pra pedreira e em frente a uma praça que fica ao lado de um prédio. O prédio onde o moço do blog mora.
Fiquei sentada na praça fingindo que lia Caio Fernando, meu álibi. Olhava ora para o prédio, ora pras crianças se estapeando pela vez no balanço. Um pai chamava incessantemente pelo filho para ir embora. Uma jovem mamãe tomava um sorvete observando a filha. Uma senhora chegava com netos, balas e biscoitos. Crianças desciam pelo escorrego a todo segundo. Algumas brincavam na gangorra e outras tantas na areia. De certo faziam muito barulho, mas eu ouvia mais a voz dos meus pensamentos do que as vozes delas. "O que eu estou fazendo aqui?" - era o que ouvia. E a todo tempo, dava-me desculpas por ser assim, tão curiosa. Se é que foi a curiosidade que moveu-me, quase inconscientemente para o tal lugar que o moço do blog descrevera.
Enquanto tentava justificar, para mim mesma, os motivos que me levaram àquele lugar... Vi o moço do blog chegar em casa.
Pude observá-lo bem, pois andava devagar. Estava muito bem vestido e era bem mais jovem do que eu imaginava. Bonitos cabelos. Bonitas feições. Bonita casca cobrindo as idéias literárias que leio com tanto gosto. Não muito alto. Não muito baixo. Tem aquele ar cruel de quem sabe o que quer, de quem tem tudo planejado pra impressionar*. E faz efeito, porque ele se faz notar. Tenho certeza que a moça com o sorvete parou de olhar a filha pra olhar o moço passando.
Agora, sempre que eu estiver lendo os textos do blog, vou pensar no rosto do moço que os escreve.
O moço nunca publicou fotos em seu blog e nunca o vi no orkut. Nunca tinha visto o rosto do moço, no entanto, tive a certeza que era ele. O reconheci pelo jeito de andar. Pelos olhos atentos no mundo ao redor. Pelo tropeço na calçada por andar prestando atenção nas crianças na praça. Pelo sorriso ao me notar lendo um livro que provavelmente ele também goste. Fingi que não vi o moço do blog. Fingi não notar que ele me olhava. Fingi que não reconheci o moço dos textos que leio de madrugada. Mas não vou poder fingir por muito tempo. Decidi que vou levar meus livros pra passear na pracinha das crianças barulhentas de vez em quando.
Ps: Espero que o tal moço não leia esse blog. E se ler, que não me ache louca. E se achar, que reconheça que há sempre um tanto de lirismo na loucura. E se não reconhecer, que pelo menos também goste do Caio Fernando. Esse sim, me entenderia.
Ps: Pros desavisados: É só um conto tá?(coro: aaaaahhhhh =/)hahaha
*desconheço autoria da foto
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