- Então que eu poderia ser qualquer coisa, mas resolvi ser isso que sou hoje. Eu poderia ser engraçada, tranquila, pacífica. Ou poderia ser louca, histérica e terrorista. Veja bem, eu poderia me filiar a Al Kaeda.
Eu poderia ser menos neurótica, menos autocrítica. Mas o que eu faço ao invés disso? Fico aqui me culpando por não ser perfeita. Entre tantas coisas que eu poderia ser, vou escolher justo o que não posso ser. Pois é, eu queria ser perfeita. É que eu sou presunçosa assim mesmo. Tenho essas manias de grandeza e sempre penso que gostaria de não ter problemas. Ser quase uma não-humana. Sabe? Perfeita. E nunca ter comida no dente quando sorrir. Nunca ter unha quebrada, esmalte descascando, perna precisando depilar. Gostaria de ter cabelo de comercial de xampu e corpo de mocinha de cinema. Eu queria saber andar num salto agulha e nunca escorregar ma rua. Nunca esquecer onde parei o carro no estacionamento do shopping. Sempre saber o que dizer no telefone e nunca ficar sem assunto bem no meio de uma conversa. Por nunca presenciar momentos constrangedores. Nunca praticar ato falho. E nunca rir em momento impróprio. Então eu fico me culpando por cometer tantos erros, por ser tão desastrada e tão sem noção das coisas. Sabe gente sem noção? Prazer. Incoerência é meu nome do meio.
Fico revendo como num filme mudo, as cenas dessa comédia pastelão que eu enceno. Como um reality show de horrores. Um freak show. Eu deveria ter vergonha de admitir, mas só eu assisto. Não tenho a mínima audiência. Eu trago comigo mil expectativas diferentes. Malas e malas desfeitas, cheias delas. Eu quero parecer algo que não sou. Quero parecer a mais bela flor dos jardins de Monet. Eu poderia ser qualquer coisa, menos ser perfeita.
E era só isso que eu queria.
- Eu poderia ficar me culpando por todos os erros que cometo. Eu poderia enlouquecer pensando em tudo que acontece de ruim. Eu poderia chorar em cima de cada plano desfeito ou de cada desvio de rota. Mas eu não consigo ter um porto certo, meus barcos foram construídos sem âncoras. Veja só, que desastre. Meu destino é sempre diferente. Não me importo, nasci com uma espécie de leveza. Quem é leve assim, pode ir a qualquer lugar que queira, porque o vento ajuda. Minha alma é nua, não carrego sobre-peso, sou imperfeita. Quero tudo o que não é perfeito. Cabelo desgrenhado pelo vento, roupas fora de moda, despertadores quebrados, crises de riso com piada sem graça. Quero o inapropriado. O extravagante. Quero tudo que engorda. Quero dizer as palavras mais esdrúxulas e rir porque acho "esdrúxula" uma palavra engraçada demais para ser séria. Quero misturar tequila com coca cola, misturar vestido com tênis, um corpo nu junto no meu. Eu poderia ser uma pessoa séria, mas sou essa ai fazendo careta na fotografia. Sou a mais debochada das moças. Sou essa que erra a letra da música. Sou essa que não sabe fritar ovo e consegue destruir qualquer receita, por mais simples que seja. E se tiver dificuldade de me reconhecer, serei sempre a que dança mais desajeitadamente possível, esbarrando em todo mundo, pisando em todo mundo porque dança de olhos fechados bem no meio do salão. Sou a louca que grita mais alto no karaokê. Uma perfeita Tetê Espínola, extremamente desafinada. Eu posso ser qualquer coisa que quiser. Posso mudar a qualquer momento, sempre que cansar um pouco de mim. Sou livre e jamais seria algo que não desejo, nem por um instante, muito menos pra agradar alguém.
Agrado-me a mim mesma apenas sendo quem quero ser.
Eu não tenho raízes, meu chão é o céu.
-Seja lá quais forem nossas diferenças, acho que nós duas somos uma fraude!
-Não se engane. Nós duas somos a mesma pessoa...
*"Ego sum fraus", do latim: sou uma fraude!
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