Eu me virei pro lado fingindo que o dia não tinha amanhecido.
Abri os olhos devagar pensando em tudo que viria a seguir e virei pro lado pra olhar no rosto dele enquanto dormia.
É certa aquela frase do Anitelli: "quando acordo primeiro é só pra te ver dormir".
Fiquei decorando os traços do rosto dele com medo não mais o ver.
Embrulhei-me um pouco mais nos lençóis e senti meu corpo pulsando onde o braço dele estava apoiado.
Escondi-me em um abraço e meu coração disparou, mas foi de uma tristeza antecipada.
Respirei fundo, querendo "salvar" o cheiro do travesseiro na minha memória, nas minhas têmporas...
Adormeci novamente e morri cem vezes ao acordar pela segunda vez.
Eu fingi que não ouvi quando o despertador tocou.
Fingi que o dia não tinha amanhecido.
Fingi que era tudo um equívoco do tempo, que ainda era cinco dias atrás.
Fingi que ainda estava dormindo quando ele acordou e ficou me olhando.
Então deixei que ele "me acordasse", para que também pudesse "me decorar" enquanto eu "dormia".
A verdade, é que eu queria mesmo continuar dormindo...
Mas chega uma hora, que você tem que acordar e mesmo que queira ficar, tem que fazer o caminho de volta.
Eu escrevi um bilhete, fiz um lanche, sequei os cabelos...
Tomei um banho demorado ignorando o frio que estava sentindo.
(Frio maior sentia dentro do peito)
Escrevi um cabelo, fiz bilhete, sequei um lanche...
Com um gole de coragem com gosto de café, encarei as fotos penduradas na geladeira, juntei minhas roupas espalhadas pela cama, fechei a mala, me olhei no espelho do corredor e me pedi para não chorar - embora já estivesse chorando.
Escrevi um lanche, fiz um cabelo, sequei um bilhete...
Saí esquecendo alguma coisa e eu bem sabia o que.
Fui olhando tudo pela janela do carro: ruas, calçadas, placas de trânsito, placas de carro, outdoors, espelho retrovisor, pessoas e seus casacos sóbrios ou coloridos, termômetros marcando 17º graus...
-Dessa vez não está chovendo, né?
-É, a chuva parou...
Nitidamente, mudava de assunto:
-Motoqueiros são a pior raça das estradas, né?
-Foi num lance parecido com esse que eu bati o carro.
-Tá engarrafado, né?
-É, deve ser sorte...
E então fui olhando tudo pela janela do carro: painel, retrovisor, pára-brisa, volante, mãos, têmporas, expressão séria, preocupação, olhos tristes, lábios contraídos, traídos por palavras que não acompanham os pensamentos, ter-mo-metros marcando 17 metros a mais, a menos, cada vez mais perto e mais longe...
-Aeroportos são lugares engraçados: ou você vai extremamente feliz ou extremamente triste!
-Não existe meio-termo!
Despedida não desprendida.
Prisioneira cativa dessas lembranças.
Desabraço de um braço que não me desabraça.
Desbeijo de um beijo que não perco o gosto...
Mas o gosto agora é salgado, amargo, tem gosto de ausência, de saudade...
A saudade é uma só, mas dividida para dois.
É chegar em casa e respirar o vazio,
Acordar sem o cheiro dos cabelos dele no travesseiro,
Não ter os braços e o abraço de manhã,
É o silêncio da voz dele...
Mas de alguma forma, a voz do Chico sussurra no meu ouvido:
"Vivia a te buscar, porque pensando em ti, corria contra o tempo
Eu descartava os dias em que não te vi.
Como de um filme, a ação que não valeu"
Então, descartando mais um dia, eu viro pro lado sem ter o lado dele na cama.
Eu não queria que ele soubesse de metade das tristezas que eu conto,
Não queria dividir a angústia que me corta,
Não queria dividir a saudade que me consome.
Mas a saudade é uma só, dividida para dois...
Alguém aceita um expresso?
Tô precisando afogar a saudade que tá me sufocando, mas ela sabe nadar...
Ps: De volta ao RJ depois de 2 mêses em Porto Alegre
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