4.1.09

Presença de Anita – Mário Donato


Eu menti para vocês. Não estou mais lendo o livro que ainda está aqui na janelinha ao lado.
Não desisti (completamente) de ler o Admirável Mundo Novo, mas o livro me entediou e não levei adiante.

Foi essa insistência da mídia em divulgar e falar da nova minissérie sobre a vida da cantora Maysa, que me levou a pensar na música que eu mais gosto interpretada por ela: Ne Me Quittes Pas – tema da minissérie: Presença de Anita.
De pegar a música para ouvir novamente e passar para o livro (nunca lido e comprado na época em que foi exibida) foi um piscar de olhos.
Quando dei por mim, só existia um “admirável mundo novo”: o de Anita!

“Ao mesmo tempo tudo se inclinava, perdido o prumo, para a boca vazia duma cisterna, inexorável e paciente na sua espera. Não havia vaga-lumes nem som”.

“O mundo perdido o prumo”. É assim, como se perdesse mesmo a noção de realidade que este romance se desenrola. Um romance sensual, sagaz, trágico, intrigante e envolvente! Acho que já disse tudo, posso parar o texto por aqui.
Mas há tanto o que se falar sobre a obra...
“Presença de Anita” é um romance maldito e intenso, capaz de deixar o leitor com vertigens em certos momentos.

Eduardo é um típico quarentão imaturo, cercado de ilusões e idealizações de um amor, um romance e uma mulher que fosse perfeita. Buscava obsessivamente essa mulher ideal, esse romance arrebatador, essa coisa louca que não conseguia viver com nenhuma mulher, porque nenhuma delas era "aquela" mulher única com quem sonhava.
Essa mulher não era a esposa, Lúcia, uma mulher forte, decidida e madura, que ele julgava fria, apática e sem vigor. Eduardo queria amar uma mulher que inventara, que não existia, assim, procurava nas mulheres ao seu redor, traços daquela ilusão que criara, como tentando dar vida a um personagem que ele mesmo inventou.

Quando Eduardo conhece Anita, sente-se atraído por sua atmosfera de mistério, pelo que não sabia respeito de sua vida, seu passado e presente eram incógnitas. Eduardo, logo tenta idealizar em Anita a mulher com quem sonhava. Anita era o oposto de Eduardo, uma menina (ou mulher?) corajosa, linda, não tinha medo de nada nem de ninguém e sabia viver cada momento intensamente, como se fosse o último.
Dona de uma sensualidade natural, a menina exercia um poder de sedução irresistível a Eduardo.
"A presença de Anita, entretanto, lhe reclamava que concentrasse nela as idéias dispersas. Todo o mistério de que ela provinha se resumia na sua figura”.
Era alegre, tinha um jeito espevitado, quase boêmio, um espírito livre...
E Eduardo muito dentro dos padrões da maioria dos homens: acomodado num casamento que nem a esposa acreditava mais. Anita, a ninfeta, no fundo era muito mais madura que ele, que por vezes, parecia uma criança insegura pra vida, descrente da própria força, despreparado para a vida e portador de uma ansiedade doentia capaz de enganar a si próprio.
E esse tipo de coisa, convenha, não pode acabar bem.

Presença de Anita passou pelas mãos do dramaturgo Manoel Carlos e virou série na TV e é impossível não fazer comparações.
Como todo livro que vira filme/série/peça/ousejalámaisoque, a tv banalizou a estória original.
Desde a personalidade e o caráter, até mudança de nomes dos personagens, tramas, motivos...

Na versão televisiva, encontramos um Eduardo, agora chamado de Fernando, apenas dividido entre o amor e o sexo com uma ninfeta fogosa e impulsiva e o casamento com uma Lúcia (Lúcia Helena - gah) insegura, romântica e desesperada para manter o casamento. Uma típica corna mansa - coisa que nem passa perto da mulher fria e indiferente do livro.
Eduardo, ao virar Fernando, foi despido de todas as suas crises de consciência e obsessões amorosas.
A Anita de Mário Donato, não é só uma menina devassa como a série expõe, ela é muito mais intensa.
Manoel Carlos não prestou atenção na intensidade dos personagens e pegou apenas o que lhe interessava pra ter audiência: a menina mais nova que tem um caso tórrido com um homem mais velho e casado que não consegue decidir entre as duas mulheres de sua vida.
Personagens fantásticos foram excluídos, muita coisa foi modificada e quem lê o livro, termina batendo palmas para Mário Donato (achando que ele revirou-se na tumba) e lamentando por uma série, que apesar de ter sido arrebatadora (e falo que foi, como fã da produção), poderia ter sido mais bem elaborada se fosse um pouco mais fiel ao livro.
Mas isso é comum, não é mesmo? Acho que a leitura, por ser mais intensa e detalhada, nos torna exigentes demais para adaptações! (e isso é bom para quem lê, cria consciência crítica)

Mário Donato, irmão do também escritor Marcos Rey (fiquei boba, dessa eu nem sonhava), foi jornalista, historiador e escritor. Autor de obras como Galetéia e o fantasma, Madrugada sem Deus, Domingo com Cristina e Partidas dobradas. Na época de sua morte, deixou pronto o livro "O país dos paulistas", que conta a história da cidade de São Paulo, mas parece que não foi publicado ainda. (será que será?)
Quando "Presença de Anita" foi publicado em 1948 ele foi excomungado da Igreja Católica e o livro recebeu a tarja de "romance proibido".
Exatamente o tipo de coisa que merece ser lida - nem se fosse só por esse dado.
Mas não é este o caso, acreditem, vale cada página!



Só pra começar o ano falando de livros.

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Carolina! Na verdade se chama Ana Carolina e não gosta de ser chamada de Ana. Não revela a idade, mas todo mundo diz que aparenta bem menos. Fotógrafa e estudante de Jornalismo. Mudou de área depois de anos insatisfeita com a profissão. Carioca, apaixonante e implicante. Carinha de 8, espírito de 80 anos. Chata, mal humorada e anti-social. Gosta de rimas simples, de frases bobas e é viciada em café. Na vida passada foi um gato tamanha preguiça. Tem mania de ter manias, coleciona coisas inúteis e acha ridículo isso de falar de si mesma em 3º pessoa.

 
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