29.8.10

Balaio de Ritmos

Carol Rodrigues


Ela já havia sido de tudo que era ritmo.
Quando criança era as Cantigas de Roda. Brincava de se esconder, de se encontrar e de jogar-se no chão. Espalhava-se em alegria por onde passava. Arrancava sorrisos apenas por sorrir. Cantava desafinado, gritava sem ficar rouca, dançava sem saber os passos.
Quando adolescente, foi Metal, Punk e Rock.
Era o grito de todas as vozes, de todas as legiões, da sua própria geração. Era o protesto, o barulho que incomoda os vizinhos, a melodia que parece mais um abalo sísmico.
Um dia foi o Samba em plena avenida de cores e folia. Rodopiava a cada passo em volta de si mesma. Já foi Marchinha, Música de Bamba, Batuque e Mpb. Ganhou festivais, apareceu na tv, se fez ouvir nos rádios.
Mas um dia, o amor que era uma Balada fez tudo virar Bossa Nova. Batucava os dedos em cada caixinha de fósforos que encontrava pela cozinha. Cantarolava na acústica da casa vazia. Logo a Bossa Nova virou Fado. E há de se ter alguma tristeza para um Fado ser bem cantado. Traduzia em canto aquela solidão que a tudo engolia.
Perdeu o tom, o dom... Virou silêncio.
Ela queria se lembrar de todos os ritmos que já havia sido. Pensava no que mais poderia ser além da ausência de som que a tudo consumia. Queria ser a Melodia que ninguém mais conhecia, da qual ninguém se lembrava. Sentiu saudade de ser Samba, mas agora seu batuque tinha outro ritmo. Reinventou-se num Chorinho. Queria engolir tudo que a sufocava, desatar de vez aquele nó na garganta. Entoou um Jazz. E ela que já havia sido tudo que é ritmo, passou a ser tudo quanto era instrumento. Só pra se reinventar mais uma vez. Passou a ser o atabaque, o tambor, a guitarra, o piano, o saxofone que soa às 3 da manhã no apartamento do segundo andar. E agora, depois de ter sido tantos e tantos ritmos, descansava da vida sendo um delicioso Blues dedilhado num violão de madeira lustrosa.

Há de se ter beleza em cantar a vida "entre uma balada e um blues"



* “Entre uma balada e um blues” é título de uma música do Oswaldo Montenegro

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Carolina! Na verdade se chama Ana Carolina e não gosta de ser chamada de Ana. Não revela a idade, mas todo mundo diz que aparenta bem menos. Fotógrafa e estudante de Jornalismo. Mudou de área depois de anos insatisfeita com a profissão. Carioca, apaixonante e implicante. Carinha de 8, espírito de 80 anos. Chata, mal humorada e anti-social. Gosta de rimas simples, de frases bobas e é viciada em café. Na vida passada foi um gato tamanha preguiça. Tem mania de ter manias, coleciona coisas inúteis e acha ridículo isso de falar de si mesma em 3º pessoa.

 
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