30.7.15

Persépolis - Marjane Satrapi

Ao longo da vida, todos nós (leitores) elegemos aqueles que são nossos livros preferidos.
Alguns deles permanecem nesse posto para sempre, enquanto outros perdem lugar para novos preferidos. Isso tem a ver com o momento que vivemos, com quem somos no momento que lemos determinado livro e na maneira como nos identificamos com determinadas histórias ou personagens.
Outros livros acabam sendo os favoritos de uma fase ou de um momento nas nossas vidas. Certos livros, porém, chegam de repente e atropelam outros que estavam esperando para serem lidos ou que estavam na fila para se tornarem os nossos novos favoritos. 
Porém, o coração de um leitor é como um coração de mãe: sempre cabe mais um!

O livro de hoje me foi recomendado por quatro pessoas diferentes. E por quatro pessoas que eu confio muito no bom gosto literário. Por isso, na primeira oportunidade que tive, adquiri este que se tornou um dos meus novos preferidos. E eu vou dizer os motivos já já.


Sinopse:
"Marjane Satrapi tinha apenas dez anos quando se viu obrigada a usar o véu islâmico, numa sala de aula só de meninas. Nascida numa família moderna e politizada, em 1979 ela assistiu ao início da revolução que lançou o Irã nas trevas do regime xiita - apenas mais um capítulo nos muitos séculos de opressão do povo persa.
Vinte e cinco anos depois, com os olhos da menina que foi e a consciência política à flor da pele da adulta em que se transformou, Marjane emocionou leitores de todo o mundo com essa autobiografia em quadrinhos, que só na França vendeu mais de 400 mil exemplares.
Em Persépolis, o pop encontra o épico, o oriente toca o ocidente, o humor se infiltra no drama - e o Irã parece muito mais próximo do que poderíamos suspeitar."

"Para me despertar, meus pais me deram uns livros" - melhor despertar possível

Antes de falar do livro, gostaria de falar sobre o Irã. Quer dizer, o que eu realmente sabia do Irã? 
Na minha cabeça o Irã é: tiro, porrada e bomba. No ocidente, o que sabemos do Irã se resume a algumas coisas sobre islamismo, outras sobre a disputa com os Estados Unidos, guerras, energia nuclear e (sim) preconceito influenciado e televisionado pela mídia e suas coberturas jornalísticas sensacionalistas.

No meu primeiro ano da faculdade, conheci a supersensacional escritora Chimamanda Adichie, que em uma palestra para o TED, mostrou que o que acontece com o Irã, acontece com a Nigéria. O que se fala de um povo na mídia, influencia a imagem que temos dele. Com isso, criamos em nossa mente uma única história sobre países que não conhecemos: a Nigéria é um país pobre, o Irã é um país em guerra. 
Quando comecei a ler Persépolis, logo notei que eu tinha em mente uma única história sobre o Irã. Mas, assim como ler os livros da Chimamanda me mostrou uma Nigéria que eu não conhecia, Persépolis me apresentou o Irã.

Marx e Deus são parecidos, só muda o cabelo crespo
A edição que eu comprei, é essa que traz a história completa. Mas eu sei que ele é vendido em Parte I, II, etc... Então, foquem nessa aqui!
Persépolis é um livro auto-biográfico em formato de quadrinhos. A personagem principal é a própria Marjane, que começa o livro com 10 anos, tentando entender os rumos da revolução em seu país: o Irã. Essa revolução derrubou o regime autoritário do Xá Reza Pahlevi para dar lugar a República Islâmica. Aquelas aulas que tivemos sobre a revolução na escola não podem ser comparadas à visão de quem viveu lá, nesse período. 
Marjane tem amigos, frequenta a escola, gosta de livros, tem um tio comunista, uma avó atenciosa e vive em uma família de classe média. Os pais são politizados e acreditam que a revolução vai melhorar o Irã. Ela costuma ter conversas com Deus e o vê em seu quarto sempre que precisa conversar. Diz que vai ser profeta. A religião é uma questão muito importante no Irã.
Mas Marjane logo descobre que não será uma profeta. Ela começa a se interessar por política e ter opiniões fortes sobre o que vê. Ela vive um período em que os revolucionários e o governo se tornam inimigos. 
Ela passa a ser obrigada a usar o véu para cobrir a cabeça, as turmas na escola passam a separar meninos e meninas, as festas são proibidas, bebidas também. Não vou falar aqui dos desdobramentos políticos, mas o regime xiita mudou drasticamente a vida no Irã.

"Ninguém aceita a verdade" - Marjane cometendo sincericídios desde pequena :)
Na casa de Marjane, a família sempre conversou muito sobre tudo. E abertamente. Marjane cresceu consciente da situação política de seu país e isso a levou a ter alguns problemas. 
De sincericídios, a maioria deles.
Depois de ser expulsa de uma escola e de enfrentar a diretora da nova escola, seus pais ficaram com medo que ela fosse presa e executada. Então eles resolveram manda-la para a Áustria, aos 14 anos, para fugir da guerra. Lá, Marjane tenta aprender novos costumes e se adaptar a uma vida totalmente diferente da que tinha antes. Sabe aquele período da adolescência em que pensamos "quem sou? O que farei da vida?". Pois é, imagine-se nessa fase em outro país, longe da sua família. Não deve ter sido fácil.

Ou então, imaginem só se um de nós fosse morar no Irã. Talvez seja muito difícil para um ocidental perceber que o governo é que manda no que você pode vestir, ouvir, comer, fazer... Aliás, no Irã, casais só podem andar juntos se forem casados - e precisam comprovar isso se um agente do governo os parar na rua. Se não, as pessoas são presas por afrontarem a moral. Mulheres solteiras não podem andar pela rua acompanhadas de homens que não sejam seus parentes. Nem sozinhas. Vocês se adaptariam a algo assim? Eu, com certeza, não.
Do mesmo modo, imagina como uma iraniana se sentiria chegando em nossa cultura tão "vida loka"?
Talvez nós não sejamos capazes de entender a cultura iraniana, mas através do livro de Marjane, podemos entender o lado humano onde é tão simples nos identificarmos com os sentimentos dos personagens.

Sobre o regime xiita que tornou a vida no Irã um verdadeiro inferno
Depois de adulta, ao passar por diversos problemas, Marjane resolve voltar para o Irã em busca de encontrar-se em suas raízes. E então ela precisa se readaptar aos costumes de seu país e esquecer a liberdade que tinha no ocidente. O que também não é uma tarefa fácil, já que as mulheres são as maiores vítimas da repressão. Usar maquiagem por exemplo, é um meio sutil de protestar contra a ditadura islâmica. Nessa fase adulta de retorno ao Irã, Marjane namora, estuda, amadurece e ficamos cada vez mais envolvidos na leitura. Em todos os momentos, a história é marcada pelo humor quase sádico que permeia o livro inteiro. Particularmente, gosto mais dessa fase adulta. Acho que não gosto de adolescentes hahaha
Na fase adolescente, ela tenta esconder de onde vem para ser aceita pelos amigos ocidentais. Pessoas que nem sempre eram legais. Muitas vezes tive vontade de dar uns tapas e falar: miafilha, sai de perto dessas pessoas! Mas faz parte né? Quem nunca teve amigos que a mãe não gostava e proibia de andar por serem "más companhias"?


Uma coisa, porém, que não muda durante todo o livro é a relação com os pais. Sério, que pais incríveis! E a avó também, mas principalmente os pais. A relação de total confiança que eles desenvolvem com a filha é uma coisa bem legal de se ver. Eles acreditam e confiam na filha ao ponto de não fazerem perguntas quando ela pede que não o façam. Eles confiam que podem mandá-la com apenas 14 anos para outro país porque sabem a filha que tem, sabem que ela conseguiria se virar bem sozinha.
É uma relação de muito diálogo e de muita sinceridade. Esse retrato da família foi uma parte do livro que eu gostei muito!

Sem comentários
Quando eu li sobre Persépolis antes de comprar o livro, achava que seria um livro sobre a guerra, mas achei que Marjane seria uma ativista dos direitos da mulher no Irã. Mas ela não é. Persépolis conta a história de vida dela, de sua família e de como, independente de que país estejamos, somos todos humanamente iguais. 

Eu acredito que, assim como Chimamanda faz em seus livros ambientados na Nigéria, Marjane também deve ter tentado dar ao mundo uma imagem diferente sobre o Irã. Isso é meu julgamento, tá? Não estou dizendo que seja essa a motivação dela. Mas que eu quase posso ouvi-la dizer isso, ahhh posso.

Persépolis não é um livro sobre os terrores e os medos da guerra. É um livro sobre pessoas e seus conflitos gerados pela guerra, pelo regime xiita, pelos radicais. É sobre uma família que resolve mandar a filha encrenqueira para outro país para protegê-la dos absurdos que aconteceram no Irã. É sobre uma adolescente, longe da família, tentando achar seu lugar no mundo. É um livro sobre saudade, sobre descobertas e amadurecimento.
Não é um manifesto político, nem um livro sobre a história do Irã, mas sobre os vários pontos de vistas que podemos ter sobre o país, sua história e seu povo. 


A minha edição, como disse antes, é a completa publicada pela Companhia das Letras (selo Quadrinhos da Cia) - essa edição reúne os livros Persépolis I, II, III e IV e a qualidade gráfica é excelente.
Esse é o primeiro livro autobiográfico em quadrinhos que leio e gostei muito da experiência.
Também gostei do estilo da Marjane e de seu traço. E se alguém aí ainda acha que história em quadrinhos são coisas só para crianças, dá um pulinho na livraria e enfia o nariz nesse livro (eu poderia indicar outros também, mas vamos focar neste). Além de ser praticamente uma aula de história, o livro joga pela janela dois esteriótipos ao mesmo tempo: que quadrinhos são para crianças e que os árabes são uns fanáticos.

Novo-preferido ♥
Persépolis possui uma animação baseada no livro, com o mesmo nome. Antes de começar a trabalhar com quadrinhos, Marjane Satrapi não pensava em cinema, mas sua paixão pelas artes também a levou para esse lado. Persépolis virou filme para que seu alcance fosse maior. Sabemos que nem todo mundo vai pegar um livro para ler, mas um filme é mais fácil de ser assistido - ainda mais se for um desenho.
Vou deixar o trailer para que vocês confiram, mas como sempre, o meu conselho é que: leiam o livro e só depois vejam o filme!

Ahhh, só mais um detalhe: ele ganhou um Oscar de melhor animação!


Ps: o filme é em francês, só achei o trailer com legenda em inglês, mas pra assistir tem legendado em português, tá?
Procurem! rs


Classificação: 5 capuccininhos

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Carolina! Na verdade se chama Ana Carolina e não gosta de ser chamada de Ana. Não revela a idade, mas todo mundo diz que aparenta bem menos. Fotógrafa e estudante de Jornalismo. Mudou de área depois de anos insatisfeita com a profissão. Carioca, apaixonante e implicante. Carinha de 8, espírito de 80 anos. Chata, mal humorada e anti-social. Gosta de rimas simples, de frases bobas e é viciada em café. Na vida passada foi um gato tamanha preguiça. Tem mania de ter manias, coleciona coisas inúteis e acha ridículo isso de falar de si mesma em 3º pessoa.

 
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