28.5.08

Sétimo Dia

Guardo um retrato teu
E a saudade mais bonita...


Há anos trabalho no ramo de Construção Civil e sei que não precisa ser nenhum técnico ou engenheiro pra saber que toda construção, por menor que seja, precisa de um bom alicerce!
Um alicerce mal planejado e mal executado pode pôr a baixo qualquer estrutura, por mais forte que pareça.
No entanto, em alguns casos, a construção de uma estrutura pode ruir e o alicerce continuar intacto.

Algumas pessoas, eu diria a maioria, tem seus alicerces fundamentados na família e a partir disso, moldam suas estruturas.

Os meu alicerces são assim e embora as minhas estruturas pareçam fortes o bastante para não me deixar desmoronar, ás vezes elas falham e eu me vejo a ponto de ter que reconstruir ou reformar alguma parte em mim.

A primeira reforma que precisei fazer, não fui eu quem fez, porque naquele tempo nem sabia que ia precisar de um reforço na minha estrutura.
Um dos meus futuros pilares de sustentação havia desmoronado e eu não sabia - foi a morte do meu pai quando eu tinha apenas um ano.
Aí foi aquele corre-corre na família, compra um material daqui, coloca um cimento ali, algumas pessoas se desdobrando pra reconstruir (sem a mesma eficiência que teria o pilar original, claro) com muito amor e muita disposição, se revezando pra suprir essa falta, essa ausência que me acompanharia pro resto da vida...
Assim eu fui construindo minhas estruturas apoiadas nesses pilares que sempre supriram a deficiência do outro.
É, eu sou um caso a ser estudado por construtores.

O fato é que um dos meus pilares acabou de ruir e agora toda a estrutura parece estar comprometida.
E não dá pra reformar...
Boa parte da estrutura ameaçada por uma dor que eu não esperava sentir, por causa de alguém que eu não estava preparada para ver partir.
Na verdade, a gente nunca espera que esse tipo de coisa aconteça...
Há pouco tempo atrás eu comentei no blog de nãolembroquem, que eu não saberia lidar com a morte de alguém próximo!
E de fato, não sei! Não estou sabendo! Nem sei se quero saber...
Meu Tio Humberto é uma pessoa muito amada, que tem e sempre vai ter uma grande importância na minha vida!


Com ele eu aprendi, bem pequena, a questionar!
Ele que me ensinou a não aceitar e a não dizer um "porque sim" ou "porque não" como resposta, porque tudo tem um motivo e ele me achava inteligente demais pra ficar sem resposta! Depois me xingava dizendo que eu "tenho resposta pra tudo".
Mérito dele, vai saber...
Ele lia tudo que eu escrevo desde o blog antigo e uma vez me mandou um e-mail todo orgulhoso dos meus feitos, que pra ele eram grandes, embora eu nunca tenha visto valor nenhum nas coisas que eu faço.
E isso era uma coisa que ele brigava comigo. Que eu deveria fazer alguma coisa decente com o material que tenho, que eu deveria ver um jeito de ganhar dinheiro com isso, escrever um livro (e ele seria o primeiro a comprar) ou sei lá o que...
Ele enchia a minha caixa de e-mail com todo tipo de arquivo, vídeo, mensagem e bobagem e agora eu abro o meu e-mail sabendo que nunca mais vou receber nenhum pps qualquer.
Nem mesmo aqueles impróprios que eu deletaria depois de responder algo como "Tio, você não tem vergonha de mandar essas coisas pra mim não?" (ele sempre respondia que não).
Ele atendia o telefone em alto e bom som: "Faaaala FDP", chamava o filho de "pai", a ex-esposa (minha tia) de "gorda", a esposa de "carrapato", me xingava do que viesse á mente, me chamava de "tapada" quando eu não entendia algo que ele dizia e me contava as maiores barbaridades e pornografias.
Mas era doce!
Um coração enorme que cabia o mundo inteiro.
Sempre preocupado em cuidar de quem podia cuidar, sempre disposto a dar aquela ajuda, a levar parente doente de lá pra cá em médicos e hospitais, a trazer aquele tijolo que faltava na construção, a mandar uma mão de massa pro rejunte dos cacos, a me ensinar como ligar mais barato pra interurbano...
E ai de quem não pedisse a ajuda dele - ele ficava bravo: "porra, porque não ligou pra mim?";
E vem aquela verdade dolorida: eu nunca mais vou vê-lo chegando aqui em casa, buzinando aquele bugre vermelho ou contando piadas toscas, fazendo todo mundo rir.
Sim, porque, onde quer que ele estivesse, sempre estava fazendo as pessoas rirem...


Desde que eu recebi a notícia, não consegui parar de chorar e nem pensar nele uma vez sequer sem encher os olhos d'água.
E eu pensava a todo o momento que de todas as piadas dele, essa não teve graça nenhuma!
Eu queria dar um soco bem dado na cara de quem fica remoendo histórias, contando lembranças ou deixando scraps póstumos no orkut do meu Tio!
Sério, eu queria mesmo ir de profile em profile xingar cada uma dessas pessoas!
Mas o que eu tenho não é raiva delas, é saudade dele!
É aquele sentimento de incredulidade...
Tudo parece meio suspenso no ar: dias, horas, obrigações, rotina... Nada parece real!
E foi ontem que a minha mãe me disse algo sobre a "missa de sétimo dia" amanhã.
Eu só consegui responder que não quero ir, eu ainda não acredito que ele não está mais aqui.
De alguma forma, essa frase foi como um farol alto vindo na contra-mão em um túnel escuro.
Me cegou por um instante, me deixou confusa, mas acendeu aquela verdade inquestionável que me fez encarar toda essa dor e entender que eu precisava externar tudo isso.
E sim, estou usando vocês pra isso, porque até agora só tive coragem de contar pro namorado e pro melhor amigo.
Quebrando esse silêncio, não estou buscando aqui nenhuma palavra de consolo, porque elas não existem.
Não quero que venham me dizer que "ele está bem onde estiver", "ele tá melhor que a gente" ou coisas desse tipo, porque bem ele estava aqui, com a gente!
Não estou buscando apoio, coragem, conselho e nem compaixão.
Talvez eu esteja apenas explicando que eu preciso de um tempo, que eu vou sumir, que vou ficar off line...
Eu gostaria de saber como devo agir, mas no momento não vou nem tentar!

Eu gostaria de poder dizer algo de bom sobre o show do Teatro Mágico que eu fui na sexta feira passada... E eu acho que até diria algo sobre o show, mas eu já falei tanto sobre esse assunto, que nesse momento, não encontro nenhuma palavra que possa acrescentar algo de bom. Me reservo ao direito de dizer apenas que foi bom, foi mágico, que faltou alguém do meu lado e que eu já estive em melhores.

Mas por agora, só consigo pensar no meu Tio querido...

E eu queria poder pensar nele sem chorar e sem sentir toda essa tristeza.
Ele mesmo se pudesse, me daria um tapa dizendo pra "parar com a palhaçada", afinal, ele não passou a vida inteira me fazendo rir pra me ver chorando desse jeito.
E eu até acredito que um dia vou conseguir!
Mas por enquanto, não tá dando!




Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
~Martha Medeiros



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Carolina! Na verdade se chama Ana Carolina e não gosta de ser chamada de Ana. Não revela a idade, mas todo mundo diz que aparenta bem menos. Fotógrafa e estudante de Jornalismo. Mudou de área depois de anos insatisfeita com a profissão. Carioca, apaixonante e implicante. Carinha de 8, espírito de 80 anos. Chata, mal humorada e anti-social. Gosta de rimas simples, de frases bobas e é viciada em café. Na vida passada foi um gato tamanha preguiça. Tem mania de ter manias, coleciona coisas inúteis e acha ridículo isso de falar de si mesma em 3º pessoa.

 
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